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Crítica musical: Now and Then, a última canção dos Beatles

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No final da década de 1970, John Lennon gravou "Now and Then" em sua casa, na cidade de Nova York. Trata-se de uma canção que ele havia escrito na mesma época. O compositor não a finalizou. Em 1995, os Beatles restantes tentaram concluir, mas o projeto não deu certo. Quase três décadas depois, a conclusão foi possível graças também à valiosa contribuição de sofisticadas tecnologias digitais, como a Inteligência Artificial, que melhoraram a qualidade do som da gravação, entre outras coisas. Em 1977, Lennon anunciou que iria priorizar a família (seu filho, Sean Lennon, nasceu em 1975), o que significaria que a carreira de músico ficaria em segundo plano ou até mesmo seria deixada de lado. Esse contexto deve ser considerado.  A canção foi gravada num período em que o "Lennon músico" estava de hiato, que só veio se encerrar em 1980. Então, ao compor e gravar essa canção no intervalo de sua carreira, o que ele pretendia? Havia a intenção de mostrar ao público ou de inclu

GOLGO 13 (1973)

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Incapaz de deter Max Boa - poderoso chefe de uma organização criminosa especializada em tráfico de drogas, armas e mulheres -, a polícia secreta de um determinado país apela a um método insólito: a contratação de um assassino de aluguel para encontrá-lo e eliminá-lo no Irã. A missão parece impossível. Além de possuir capangas e poder de fogo, como de praxe, o alvo nunca foi visto, logo pouca gente conhece sua aparência. Um antagonista desafiador.  Porém aquele que foi designado para matá-lo também não é um qualquer. Conhecido como Golgo 13/Duke Togo, quase nada se sabe sobre esse atirador. Data de nascimento, nome verdadeiro, nacionalidade, idade... tudo é desconhecido. A única certeza sobre ele é o fato de ser extremamente bom naquilo que faz, a ponto de nunca ter falhado no cumprimento de seus contratos.  Baseado no mangá homônimo de Takao Saito, Golgo 13 (1973) é o primeiro live-action do personagem e funciona bem como uma adaptação.  A trama em si é uma manifestação dessa fidelidad

Fonseca adorna romance policial com erudição e digressão

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Delfina Delamare, mulher da alta sociedade carioca, é encontrada morta dentro de um carro em uma rua sem saída. A princípio, suspeita-se de suicídio, mas Guedes, o policial encarregado do caso, começa a desconfiar de que não foi bem assim. Temos um corpo, um tira ressabiado e um possível assassino. O suficiente para desencadear uma trama de romance policial. Em "Bufo & Spallanzani" (Cia das Letras, 1997, 238 páginas), porém, o escritor Rubem Fonseca faz muito mais do que um jogo de gato e rato entre polícia e criminoso. "Bufo & Spallanzani" remete a dois personagens, um deles histórico. Bufo refere-se a um sapo da espécie Bufo marinus (hoje chamado de Rhinella marina), nativo de países das Américas Sul e Central. Lazzaro Spallanzani (1729-1799) foi um padre italiano interessado em ciências e perscrutador da teoria da abiogênese. Alguém pode se perguntar: que diabos os experimentos de um sacerdote católico com sapos no século XVIII pode ter a ver com o assass

Thomas Pynchon parodia hardboiled em romance psicodélico

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No prefácio para edição nacional de “O Falcão Maltês” (Editora Brasiliense, 1984, 193 páginas), o jornalista e tradutor da obra, Ruy Castro, escreveu: “Para ler e adorar o Falcão Maltês, o leitor adulto e experiente só precisa possuir um atributo: saber ler. A linguagem de Dashiell Hammett é seca como um martini, exatamente como seus personagens”. Vício Inerente (Cia das Letras, 2010, 459 páginas), do romancista Thomas Pynchon, não subverte as especificidades de O Falcão Maltês, mas parodia as premissas abstraídas desta e de outras obras criadas pelo próprio Hammett, como também aquelas inventadas por Raymond Chandler e James M. Cain (Hammett e Chandler são explicitamente mencionados na obra). Premissas que formam o gênero hardboiled: a luta do detetive durão, cínico e implacável contra a corrupção social e sistemática que degrada a sociedade. A paródia pode ser basicamente definida como uma imitação satírica. Larry “Doc” Sportello, o protagonista de Vício Inerente, é até cínico, mas e

Ren e Stimpy

"The Ren & Stimpy Show", talvez o desenho animado de maior sucesso da Nickelodeon (americana) na primeira metade dos anos 1990, vai ganhar "reboot" para adultos, dessa vez produzido pelo canal Comedy Central. O criador da animação original, John Kricfalusi, que foi acusado de assédio e abuso sexual de menores por duas mulheres, não será envolvido na nova criação. Em 2003, houve a produção e transmissão de um spin-off, também para adultos, intitulado "Ren & Stimpy 'Adult Party Cartoon'", que foi um fracasso de crítica e de público. Portanto, não é a primeira vez que tentam uma reimaginação não recomendável para crianças. O enredo, tanto do desenho original quanto do spin-off, foca em Ren, um cão chihuahua psicótico, e Stimpy, um gato estúpido, que se envolvem em bizarras aventuras. A expressão "aventuras" é de uso muito comum para elaborar sinopses de desenhos animados, mas no caso de "Ren e Stimpy", o adjetivo "biza

A metafísica do mangaká

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Duas das ilustrações feitas por Hokusai (fonte: Wikipédia) I A História do mangá, como disciplina acadêmica, informa que as histórias em quadrinhos japonesas existem desde os pergaminhos dos séculos 12 e 13. A pergunta que proponho neste ensaio, entretanto, é: já existia o mangaká também? Isto é, o mangaká surgiu junto com o mangá? Parece uma pergunta que tem uma resposta óbvia, mas não é bem assim. Katsushika Hokusai (1760-1849), um artista gráfico que viveu no período Edo (1603-1868), não é chamado de "mangaká", mas a coleção que reúne seus esboços artísticos chama-se "Hokusai Mangá". Historiadores costumam fazer distinção entre "arcaico" ou "clássico" e "moderno". Sugere-se, com isso, que o artista de mangá "arcaico", como o próprio Hokusai, não é "mangaká"; apenas o criador de mangá "moderno" é "mangaká". Algumas diferenças entre o arcaico e moderno são: nos mangás "a

Preview: O que esperar da adaptação em anime do romance Japan Sinks?

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A Netflix anunciou: em 2020, irá adaptar o romance de ficção científica 'Japan Sinks' (1973), escrito por Sakyo Komatsu (1931-2011), em original net animation (ONA) de 10 episódios. O enredo do livro gira em torno de uma família que tenta sobreviver num Japão afligido por desastres naturais e ameaçado de submersão.  É um romance de ficção científica hard. Komatsu faz descrições detalhistas de terremotos e erupções vulcânicas, demonstrando ter conhecimentos técnicos em geofísica e entendimento acerca do contexto geológico do Japão. Foi best-seller na Terra do Sol Nascente no ano em que foi lançado.  Pelo título anunciado (Japan Sinks 2020) nota-se que o story line  do anime faz uma mudança temporal: o enredo original se passa nos anos 1970; a adaptação colocará a trama em 2020, logo após as Olimpíadas de Tokyo.   Na opinião deste autor, as probabilidades de ser um ONA de qualidade são altas. A começar com a própria trama do romance, que pode ser comparada co